(Tempo de leitura: 7 minutos)
O que você precisa saber:
– O governo do presidente Javier Milei reduziu a inflação de 200% para algo em torno de 36%;
– Recentemente, eclodiu um suposto caso de corrupção envolvendo a irmã de Milei;
– A derrota nas eleições legislativas de Buenos Aires acendeu alerta;
– Milei tenta se recuperar poucos dias antes da importante eleição legislativa nacional
“¡Viva la libertad, ca*****!” — o brado de Javier Milei ecoou como um trovão quando ele assumiu a presidência da Argentina em 2023. Para muitos, era a promessa de um novo amanhecer, um tango vibrante que romperia com o passado e devolveria esperança a um país cansado de crises.
Contudo, as manifestações contra a caravana presidencial e a derrota de seu partido nas eleições legislativas em Buenos Aires são os primeiros sinais de que as ruas podem não estar mais encantadas com o grito que ajudou o presidente a chegar na Casa Rosada.
A perda na capital, coração político e cultural da Argentina, acendeu um alerta vermelho. Buenos Aires não é apenas a cidade mais populosa do país, ela funciona como um espelho que antecipa o que pode acontecer no palco nacional. E, com as eleições legislativas de meio de mandato se aproximando em 26 de outubro, Milei sabe que não pode perder mais compasso.
Essas eleições são cruciais: sem ampliar sua base no Congresso – hoje com menos de 15% das cadeiras –, o presidente terá dificuldade em transformar seu discurso de livre mercado em realidade.
Um pouco de contexto
Milei assumiu em 2023, prometendo virar a página da política tradicional e devolver estabilidade a uma Argentina cambaleante. Com sua tesoura afiada, cortou gastos, encerrou subsídios, mexeu no câmbio e enfrentou os juros altos. O resultado imediato foi um alívio na inflação, que caiu de mais de 200% para algo em torno de 36% e conseguiu o primeiro superávit fiscal em 10 anos. O peso ganhou fôlego, mas a conta chegou em outro lado: desigualdade em alta e mais argentinos escorregando para a pobreza.
Para seus apoiadores, no entanto, esses sacrifícios representam um caminho doloroso, mas necessário. Defendem que as medidas são parte de uma travessia que exige firmeza inicial para, no futuro, colher frutos mais sólidos de crescimento e estabilidade.
E como se não bastasse a difícil dança econômica, um novo tropeço surgiu: o suposto escândalo de corrupção envolvendo Karina Milei, irmã e braço-direito do presidente. Conhecida como El Jefe, Karina é a sombra mais próxima de Javier, mas gravações reveladas pela imprensa a colocam no centro de denúncias de um suposto esquema de suborno ligado ao pagamento de remédios a pessoas com incapacidade.
Áudios gravados no ano passado apontam o ex-diretor da Agência Nacional de Incapacidade (Andis, em espanhol), Diego Spagnuolo, afirmando que a irmã do presidente recebia suborno de 3%, segundo a AFP – e disse ainda ter informado o presidente sobre o esquema.
Somado ao escândalo das criptomoedas, ao aumento da desigualdade e ao corte de benefícios sociais, o episódio corroeu a confiança da população: os índices de confiança do governo caíram 13,6%.

Sucessivas derrotas
Se antes Milei ainda conseguia manter o compasso no Congresso, agora parece que a música virou. Os vetos, que eram sua principal arma para sustentar o plano de austeridade, começaram a ser derrubados como peças de dominó.
- Senado derrubou veto em uma lei que expande os benefícios para pessoas com deficiência;
- Em agosto, a Câmara derrubou um veto presidencial de uma lei que declara situação de emergência no atendimento a pessoas com incapacidade e aloca mais fundos no setor;
- Derrota no Senado em decretos presidenciais que pretendiam reduzir o orçamento estatal e aprovou o aumento dos valores destinados à saúde e às universidades públicas.
O cenário também pode ser refletido em números. Segundo o analista político Andrés Malamud, Milei enfrentou 34 eleições legislativas: venceu de 15 de 17 até março de 2025, mas, desde abril, perdeu 16 em 17.
Como essas informações foram lidas
O dia seguinte às eleições em Buenos Aires foi marcado por uma queda de 13% no índice Merval, principal indicador da Bolsa argentina, em resposta à derrota para a oposição peronista. O peso perdeu 5% de valor e, em Wall Street, as ações de empresas argentinas derreteram 21%.
O risco-país também não ficou imune: disparou nos últimos dias, chegando a bater 1.000 pontos-base antes de recuar para 901 — ainda assim, o maior patamar desde que a Argentina assinou seu mais recente acordo com o FMI, apenas cinco meses atrás.
Paz e amor?
No cenário turbulento para seu governo, Milei apareceu com uma nova postura durante a apresentação do Orçamento de 2026. Com um discurso mais conciliador, a motosserra do presidente abriu espaço para o aumento dos gastos com saúde, educação e pensões.
Nesse tom menos radical, e com a afirmação de que sua política de equilíbrio fiscal é “inegociável”, os ativos argentinos responderam positivamente, revertendo um pouco da queda registrada após a derrota acachapante em Buenos Aires – o índice Merval subiu 2,3% e os títulos soberanos tiveram alta de 5%.
Em meio a derrotas políticas, escândalos de corrupção e menor confiança, Milei tenta mostrar resiliência. A prometida “profunda autocrítica”, enquanto sinaliza que vai redobrar esforços em seu modelo econômico, será decisiva para as eleições legislativas – e também para uma possível reeleição como chefe da Casa Rosada.