Mario Camera – Valor Econômico
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O anúncio do novo pacote tarifário dos Estados Unidos para o Brasil, em 2 de abril de 2025, acendeu o sinal de alerta em setores estratégicos da economia nacional. Mas, passados dois meses, os efeitos ainda não foram suficientes para provocar mudanças concretas nas estratégias empresariais. Na indústria, a principal consequência até agora tem sido o compasso de cautela. “O impacto das tarifas americanas no mercado brasileiro ainda é incipiente, mesmo porque tem formação de estoques, tem discussões de postergamento, e essas novas negociações criam expectativas”, afirma Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Apesar de o setor não ter sofrido retrações diretas, a CNI enviou uma missão aos EUA em maio. O objetivo foi negociar tratamento diferenciado por setor e sinalizar que o Brasil tem projetos de complementaridade produtiva com os americanos, incluindo cadeias de semicondutores, terras raras, combustível sustentável de avião (SAF) e data centers verdes. “Nós temos 55% das nossas exportações de manufatura só para os Estados Unidos, é o principal destino dos nossos bens intensivos em tecnologia. Então, essa solução precisa ser encontrada o mais rápido possível, e entendemos que deveria ser feito também de forma setorial”, afirma Alban.
O presidente da CNI alerta, no entanto, que as tarifas americanas já provocam um desvio na balança comercial com outro parceiro: a China. “O maior impacto que já vemos foi uma maior concentração, no primeiro trimestre, de vendas de produtos manufaturados chineses para o Brasil, que aumentou 30% em relação ao mesmo período do ano passado”, observa.
O movimento também preocupa a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Segundo a entidade, só em março as importações de calçados da China cresceram 51,7% em relação ao mesmo mês de 2024. Em comunicado no início de abril deste ano, o presidente da entidade, Haroldo Ferreira, alertava que “essa invasão [de calçados chineses] ocorre antes mesmo da entrada em voga da nova tarifa. A previsão é de que aumente ainda mais nos próximos meses […] A China não ficará sem escoar essa produção”.

Já no agronegócio, o ritmo das vendas externas não apenas foi mantido, como acelerou em alguns setores, a exemplo da carne. Em abril, o Brasil embarcou 48 mil toneladas de carne bovina para o mercado americano, seis vezes mais que no mesmo mês de 2024. Segundo Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o principal fator da competitividade brasileira é estrutural: “Os EUA vivem o menor plantel bovino dos últimos 80 anos e seguem buscando fornecedores com capacidade de entrega em escala e preços acessíveis”, explica.
O rebanho bovino americano recuou em função de seca, alimentação dos animais mais cara e aumento dos juros, com impacto direto no custo de produção. Assim, mesmo com tarifa total que pode chegar a 36,4%, a carne brasileira continua mais barata. “Se a carne brasileira chega ao mercado a US$ 30 e sofre o acréscimo tarifário, ainda assim permanece muito mais competitiva que a carne americana, cotada a US$ 100”, afirma o presidente da Abiec.
Na prática, segundo Perosa, o tarifaço recaiu sobre os importadores americanos, “que arcam com os custos adicionais”.
“Nós ainda estamos em um momento de muita adaptação”, João Daronco.
No mercado financeiro, o impacto também foi difuso, mas não irrelevante. Para Eduardo Castro, CIO da Portofino Multi-Family Office, o vaivém das decisões americanas desestabilizou o horizonte de previsibilidade dos agentes econômicos. “Esse cenário foi deixando a própria economia real sem horizonte”, afirma. “Se de fato isso [o aumento de tarifas] caminhar nessa direção, vai ser ruim para ativos de risco, ruim para o dólar”, salienta.
Segundo Castro, o mercado global esperava que Trump fosse “positivo para ativos de risco”, mas a realidade surpreendeu. “Veio algo que se imaginava que viria, mas numa intensidade e numa desorganização, numa ausência de tecnicidade tão grande que deixou mercados e economia real absolutamente perdidos”, diz. Para ele, a principal consequência até o momento foi um aumento da cautela. “O máximo que se fez foi redução de risco: corte de exposição a renda variável, aumento de caixa, espera.”
A guerra comercial iniciada pelos EUA também deve levar a uma mudança na diversificação de carteiras internacionais, o que não deve abalar a posição americana no mercado, segundo Castro. “Portfólios que eram majoritariamente alocados nos Estados Unidos vão caminhar para uma diversificação maior. Apesar disso, os EUA não vão deixar de ser a principal economia do mundo, nem o principal país pra oferta de títulos e ativos financeiros; só que serão em um ponto de equilíbrio diferente”, diz.
A percepção também é compartilhada por João Daronco, analista da Suno Research. “Nós ainda estamos em um momento de muita adaptação, sem saber ao certo todas as consequências do tarifaço”, afirma. Segundo Daronco, não existe, até o momento, “nenhum direcionamento concreto [no Brasil] de uma empresa que está reduzindo o custo, cortando pessoal ou diminuindo investimentos propriamente dito”.Para ele, o impacto poderia ser percebido a partir de julho e agosto, “quando as empresas começarem, de fato, reportar os seus números, o fluxo de caixa, o quanto que investiram etc”.