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Por Mariam Dayoub, mestre em Administração Pública pela Universidade Columbia.
O que você precisa saber:
- É possível quantificar, preliminarmente, os impactos da tragédia em alguns indicadores econômicos;
- O RS responde por 6,5% do PIB, 12,5% da agropecuária, 6,5% da indústria e 6% dos serviços totais do Brasil.
Em 2004, foi lançado o filme de ficção científica O Dia Depois de Amanhã. Com cenas fortes, ele tratava dos impactos do aquecimento global sobre a civilização. Vivendo em um país tropical — e apesar de políticas públicas não adaptadas à nova realidade climática —, acreditávamos que nossa nação permaneceria inviolável às forças da natureza. No entanto, no ano mais quente da história da humanidade, a realidade climática se impôs em forma de tragédia no Sul brasileiro.
Inicialmente, alguns números, ainda inexatos, das enchentes no Rio Grande do Sul:
- o governo estadual computou que 46 de um total de 497 municípios estão em estado de calamidade. Essa região abriga 40% dos habitantes do RS e representa 2,3% do PIB nacional. Ademais, 320 municípios estão em estado de emergência;
- as enchentes impactaram diretamente cerca de 2,5 milhões de pessoas e mais de uma centena de vidas foram perdidas;
- todo o estado foi assolado pela tragédia climática que se iniciou no final de abril;
- é impossível quantificar o sofrimento humano, que comove toda a nação.
Porém, pode-se quantificar, preliminarmente, os impactos da tragédia em alguns indicadores econômicos, já que as enchentes podem ser consideradas um choque de oferta clássico, o que se traduz em menos atividade e mais inflação.
Com relação aos impactos sobre a atividade, pela óptica da oferta, todos os setores foram atingidos. O RS responde por 6,5% do PIB, 12,5% da agropecuária, 6,5% da indústria e 6% dos serviços totais do Brasil. Com as enchentes, todos esses setores serão atingidos, reduzindo drasticamente as expectativas de crescimento para o PIB estadual em 2024 para algo próximo a 0,5%.
Na agropecuária, os maiores impactos serão nas grandes culturas, principalmente arroz, com 70% da produção nacional sendo cultivada no estado, além de soja, milho e trigo. A produção de proteína animal também será negativamente impactada. Na indústria, a atividade será afetada pela destruição da capacidade instalada, como infraestrutura produtiva, máquinas e equipamentos. Já no setor de serviços, o mais abalado deve ser o de transporte e logística.
Quando as águas baixarem, o setor de construção civil deve ser impulsionado no processo de reconstrução, que, segundo cálculos de especialistas, demandará cerca de R$ 100 bilhões, ou 1% do PIB nacional, acima das estimativas preliminares do governo federal de R$ 50 bilhões.
“Ela precisa ser uma porta para que as lideranças políticas e empresariais apresentem propostas para nos preparar para lidar com os muitos desafios que já nos são impostos pelas mudanças climáticas”.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), enchentes são o segundo tipo de desastre mais frequente, e os danos a elas associados têm aumentado, particularmente em áreas com urbanização desordenada. Uma análise do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre 29 desastres ocorridos entre 1990 e 2014 calculou um custo fiscal médio desses eventos em 1,6% do PIB.
Em 2024, a tragédia deve impactar o PIB do Brasil negativamente em cerca de 0,2 a 0,3 ponto percentual (p.p.) e elevar a inflação em 0,1 a 0,2 p.p., com pressões mais fortes no grupo da alimentação. Na última pesquisa Focus do Banco Central, a mediana para o crescimento em 2024 exibiu a primeira queda em quase um ano, passando de 2,09% para 2,04%, enquanto a mediana para a inflação subiu de 3,66% para 3,74%.
Até o momento, o governo federal anunciou um pacote de R$ 50,9 bilhões para o RS. Enquanto os impactos fiscais ficarão de fora do cálculo do resultado primário e do limite de gastos, a dívida pública em 2024 sofrerá um aumento adicional, possivelmente da ordem de 0,5% do PIB, comparada com a projeção anterior próxima a 78% do PIB.
A grande preocupação dos analistas é que a catástrofe seja utilizada para aumentar ainda mais os gastos públicos em um ano de eleições municipais. Com a mudança no cenário internacional, o aumento do risco fiscal local e a desancoragem das expectativas de inflação, a cautela do Banco Central na condução da política monetária é justificada, com analistas passando a esperar que a taxa de juros tenha atingido seu valor terminal aos 10,5%.
No dia depois de amanhã de uma das maiores calamidades ambientais do Brasil, quando a água baixar e a vida for retomada, que nossa sociedade não deixe mais esta crise ser perdida. Ela precisa ser uma porta para que as lideranças políticas e empresariais apresentem propostas para nos preparar para lidar com os muitos desafios que já nos são impostos pelas mudanças climáticas.
Nossos sentimentos, solidariedade e empatia seguem com o povo gaúcho.
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